Fernão de Magalhães
Fernão de Magalhães[1][nota 1] (Sabrosa, Primavera de 1480 – Mactan, 27 de abril de 1521) foi um navegador português que se notabilizou por ter
liderado a primeira viagem de circum-navegação ao
globo, de 1519 até 1522, ao serviço da Coroa de Castela. A expedição espanhola
Magalhães-Elcano.[2]
Nascido numa família nobre, viajou para as Índias Ocidentais em
1505, participando de várias expedições militares. Embarcou, em 1512, na armada
de António de
Abreu em busca da descoberta das Molucas, também conhecidas como as Ilhas
das Especiarias. Mas só um navio, comandado por Francisco Serrão,
tresmalhado, chegaria às Molucas do norte (Ternate, Tidore, etc.), produtoras
do desejado cravo. Os demais navios regressariam a Malaca após irem apenas às
Molucas do sul ou arquipélago de Banda (Buru, Ambom, Seram) produtoras de
noz-moscada e maçã. Consequentemente, Magalhães não teve conhecimento
direto das Molucas do cravo, as mais importantes economicamente à época. A
expedição de Fernão de Magalhães e Elcano fazia parte do contexto das viagens
de descobrimento, representadas por personalidades como Cristóvão Colombo,
Bartolomeu Dias, Américo Vespúcio, Balboa, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral,
dentre outros. Esse processo de expansão marítima foi impulsionado pelo desejo
de se descobrir rotas que levassem às índias em busca das especiarias.
A serviço do rei de Castela, Carlos I,
V imperador
do Sacro Império Romano-Germânico (também rei de Aragão e Itália entre outros títulos),[3][4] Magalhães planejou e comandou a expedição marítima que efetuou a primeira
viagem de circum-navegação ao
globo. Foi o primeiro a alcançar a Terra do Fogo no extremo sul do continente americano, a atravessar o Estreito que hoje
leva seu nome e a cruzar o Oceano Pacífico,
que nomeou. Fernão de Magalhães foi morto em batalha em Cebu, nas Filipinas durante a expedição,
posteriormente chefiada por Duarte Barbosa, João Serrão, João Carvalho, Gonzalo
Gómez de Espinosa e, finalmente, Juan Sebastián
Elcano até ao regresso em 1522.[5]
O pinguim-de-magalhães recebeu
o seu nome como homenagem, já que Magalhães foi o primeiro Europeu a ter visto
um.[6] As aptidões de navegação de Fernão também foram reconhecidas na
nomeação de objetos associados à astronomia, incluindo as Nuvens de
Magalhães, as crateras
lunares de Magalhães, e as crateras marcianas
de Magalhães[7] a sonda espacial da NASA Magellan (de Ferdinand
Magellan, versão inglesa do nome) e a Carruagem
Presidencial dos Estados
Unidos da América Ferdinand Magellan, em serviço desde o
Presidente Franklin
Delano Roosevelt em 1933 até ao Presidente Ronald Wilson
Reagan em 1984.
No entanto, as repercussões da
viagem de Magalhães e Elcano na época foram bastante reduzidas. A principal foi
o início da disputa entre Espanha e Portugal pela posse das Ilhas Molucas.
Durante anos os dois impérios reclamaram para si o domínio das ilhas em busca
do controle da fonte de especiarias. Carlos I, o rei da Espanha, organizou
várias expedições rumo às Molucas com o objetivo de estabelecer um posto
avançado no arquipélago, mas todas resultaram em fracassos com altas taxas de
mortes e grandes custos para a coroa espanhola. Juan Sebastian Elcano foi uma
das fatalidades nessas viagens, falecendo de escorbuto no Oceano Pacífico em
1526. Sete anos depois da viagem de Magalhães, Carlos I, afundado em dívidas,
após três expedições fracassadas, foi forçado a desistir e ceder a posse das
ilhas aos portugueses. Tentar repetir o trajeto de Magalhães mostrou-se tão
complexo que somente reforçou o tamanho do feito que o explorador português
realizou.
Casa de Sabrosa, que ostenta o
brasão dos Magalhães
Fernão de Magalhães nasceu no norte de Portugal, ca. de 1480. A freguesia da Sé do Porto,[8] Vila Nova de Gaia e Ponte da Barca[9] reclamam a sua naturalidade. A vila de Sabrosa outrora reclamou ser o berço do navegador[10] e assim consta em muitas obras.[nota 2] No entanto, hoje sabe-se, para além de qualquer dúvida razoável, que essa presunção se baseou em documentação falsificada por António Luís Alvares Pereira, descendente de lavradores do lugar da Pereira, em Sabrosa, com o intuito de se habilitar à herança de Fernão de Magalhães no Arquivo das Índias. Fernão de Magalhães era filho de Rui (por vezes Rodrigo) de Magalhães, nascido cerca de 1442, Cavaleiro Fidalgo da Casa de D. Afonso, 1.º Conde de Faro, 2.º Conde de Odemira jure uxoris, 5.º Senhor de Mortágua jure uxoris, Senhor de Aveiro e Alcaide-Mor do Castelo de Estremoz, que exerceu cargos de governação no Porto, onde se encontra documentado entre junho de 1472 e junho de 1488 e onde exerceu os cargos de Juiz Ordinário, Procurador e Vereador do respetivo Senado da Câmara, e terá sido Alcaide-Mor do Castelo de Aveiro, onde está documentado em 1486, e de sua primeira mulher Alda de Mesquita, nascida cerca de 1445, e casado pela segunda vez com Inês Vaz Moutinho, filha de Pedro Vaz Moutinho, cidadão do Porto, cidade onde foi Vereador, e de sua mulher Inês Gonçalves de Mesquita. Era irmão de Duarte de Sousa, Diogo de Sousa, Isabel de Magalhães, Leonor de Magalhães, casada com João Fernandes Barbosa, com geração, Genebra de Magalhães, casada com André Afonso Cão, General de Galés de Entre Douro e Minho, filho de Diogo Cão e de sua mulher, com geração, e Aires de Magalhães, que seguiu uma carreira eclesiástica, recebeu ordens de epístola em 1509 em Braga e, nessa matrícula, seus pais acima nomeados são ditos moradores na Sé do Porto.[11][12]
Estátua de Fernão de Magalhães em
Sabrosa
Ao serviço da Coroa Portuguesa
Portugal foi o primeiro reino
Europeu a empreender expedições marítimas em busca de uma rota para as Índias
que lhes daria o controle do comércio das especiarias. Fernão de Magalhães
tinha cerca de dez anos quando se tornou Pajem da Corte da Rainha D. Leonor, consorte de D. João II de
Portugal. Casou-se em Sevilha, em Dezembro de 1517, com Beatriz
Barbosa, sua parente, filha de Diogo Barbosa e de sua mulher Maria Caldeira, e
teve dois filhos: Rodrigo, que faleceu muito novo, e Carlos, que faleceu ao
nascer.
Em março de 1505, com 25 anos, alistou-se na Armada da Índia, na frota de 22 navios enviada para instalar D. Francisco de Almeida como primeiro governador e vice-rei da Índia. Embora o seu nome não figure nas crónicas, sabe-se que ali permaneceu oito anos, e que esteve em Goa, Cochim e Quíloa. Participou em várias batalhas, incluindo a batalha naval de Cananor em 1506, onde foi ferido, e a decisiva batalha de Diu. Em 1509 partiu com Diogo Lopes de Sequeira na primeira embaixada a Malaca, onde seguia também Francisco Serrão, seu grande amigo e possivelmente primo.[13] Chegados a Malaca em setembro, foram vítimas de uma conspiração e a expedição terminou em fuga, na qual Magalhães teve um papel crucial avisando Sequeira e salvando Francisco Serrão que havia desembarcado. Para trás ficaram dezanove prisioneiros. A sua atuação valeu-lhe honras e uma promoção.
Efígie de Fernão de Magalhães
no Padrão dos
Descobrimentos, em Lisboa, Portugal
Ao serviço do novo e segundo
governador, Afonso de
Albuquerque, participou junto com Serrão na conquista de Malaca em
1511 e só regressou a Lisboa em 1513. Magalhães, sob o comando de António de
Abreu, chegou às ilhas de Bandama, Ambom e Seram (produção de noz-moscada e maça), em 1512, mas não
às Molucas do
norte (que eram as Molucas em sentido restrito), onde quem chegou, a Ternate,
foi o seu amigo Francisco Serrão no seu junco que se separou da armada de Abreu
arrastado por uma tempestade, o qual aí permaneceu e casou com uma mulher de
Amboíno, tornando-se conselheiro militar do sultão de Ternate.
As suas cartas para Magalhães seriam decisivas, que dele obteve informações
quanto à situação dos lugares produtores de cravo (Molucas do Norte). Fernão de
Magalhães, após se ausentar sem permissão, perdeu influência. Em serviço
em Azamor (Marrocos),
onde foi ferido em combate, foi depois acusado de comércio ilegal com os mouros, com várias das acusações
comprovadas cessaram as ofertas de emprego a partir de 15 de maio de 1514 e,
novamente em Lisboa, D. Manuel I de
Portugal recusa-lhe aumento de tença. Mais tarde, em 1515,
surgiu uma oferta para membro da tripulação de um navio português, mas
Magalhães rejeitou-a. Em Lisboa, dedicou-se a estudar as mais recentes cartas,
investigando uma passagem para o Pacífico pelo Atlântico Sul e a possibilidade
de as Molucas estarem na zona castelhana[14] definida pelo Tratado de
Tordesilhas, em parceria com o cosmógrafo Rui Faleiro.
Ao serviço da Coroa de Castela
Em 1517 foi a Sevilha com Rui Faleiro, tendo encontrado no feitor da
"Casa de la
Contratación" da cidade um adepto do projecto que entretanto
concebera: dar a Castela a possibilidade de atingir as Molucas pelo Ocidente,
por mares não reservados aos portugueses no Tratado de
Tordesilhas e, além disso, segundo Faleiro, provar que as ilhas
das especiarias se situavam no hemisfério castelhano.
Origens da expedição
Fernão de Magalhães não tinha a
intenção de circunavegar a Terra. O tratado que ratificou com o rei Carlos I de Castela em 22 de março de 1518, continha até
uma proibição implícita neste sentido, pois violaria os interesses e direitos
do tio e cunhado de Carlos, o rei Manuel I de
Portugal.[15] A orientação para a viagem de Magalhães foi a mesma que para a viagem
de Cristóvão Colombo 27
anos antes: navegar para o oeste para chegar ao leste (rota marítima para a
Índia). Acima de tudo, tratava-se de encontrar o caminho mais curto possível
para as ilhas das especiarias, cuja localização exata era pouco conhecida na
época devido ao sigilo estrito. O comércio extremamente lucrativo de
especiarias com a Europa era compartilhado por mercadores indianos, persas,
árabes, otomanos e venezianos por terra e por mar por Portugal.
Também não ficou claro se as ilhas
estavam sob controle português ou espanhol após o Tratado de
Tordesilhas. Nesse tratado, as coroas castelhana e portuguesa dividiram
o globo ao meio em 1494. Um meridiano 370 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde foi estabelecido
como a linha de demarcação. Todos os mares, ilhas e continentes a leste deste
meridiano deveriam pertencer a Portugal, e todos a oeste dele deveriam
pertencer a Castela. Em 1498, uma frota portuguesa comandada por Vasco da Gama alcançou a costa oeste
da Índia pela primeira vez. Os portugueses começaram imediatamente a construir
um império comercial no Oceano Índico. Em 1511 conquistaram o
centro comercial de Malaca, na Península Malaia,
e prepararam-se para se expandir ainda mais para leste, enviando uma expedição
comandada por António de
Abreu às Molucas, então as únicas áreas de cultivo
de cravo em todo o mundo.[16]
Enquanto os portugueses continuavam
a se expandir para o leste, Castela buscava, via oeste, a rota ocidental para
os tesouros da Ásia bloqueada
por uma massa de terra cujo imenso trecho do Ártico à Antártica só aos poucos se tornava
visível: a América. Por volta de
1505, o bispo Juan
Rodríguez de Fonseca, responsável pela política colonial no Conselho
Real de Castela, o navegador Vicente Yáñez
Pinzón, que comandava um dos navios de Colombo, e Américo Vespúcio,
posteriormente nomeado timoneiro-chefe, propôs uma rota marítima para a Ásia passando ao sul do Brasil. A existência do Pacífico — então
chamado de Mar do Sul — era conhecida no reino de Castela desde 1515, depois
que o explorador Vasco Núñez de
Balboa cruzou o istmo do Panamá dois
anos antes. O timoneiro português Juan Díaz de Solís fez
várias tentativas em nome da coroa castelhana para encontrar uma passagem para
este mar do sul e, portanto, para a Ásia Oriental. Todas as tentativas de Solís
falharam e ele acabou morrendo no Rio da Plata em 1516.[17]
Na mesma época, o mercador Cristóvão de Haro,
que veio de Burgos e trabalhava em Lisboa, mandou dois navios para a América
do Sul a fim de comprar pau-brasil e escravos, assim como explorar o litoral.
Desta expedição, o Newen
Zeytung auss Presillg Landt (Nova Gazeta da Terra do Brasil), um dos
mais antigos boletins informativos europeus de seu tipo em língua alemã,
relatou que os navios de Haro haviam descoberto um estreito semelhante ao
de Gibraltar na costa a cerca de 40°
sul, no lado oeste do continente americano e continuava para a Ásia. Pouco
depois, este estreito pode ser encontrado em um globo terrestre feito pelo
estudioso Johannes Schöner da
cidade de Karlstadt am Main em
1515.
Magalhães provavelmente ficou
sabendo deste empreendimento e dos seus supostos resultados em Lisboa. Ele e
Cristóbal de Haro possivelmente se conheceram lá em 1515 ou 1516.[18] No verão de 1516 Magalhães recebeu cartas de Francisco Serrão, que
havia se estabelecido nas Molucas, e escreveu ao amigo que essas
ilhas ficavam muito a leste de Malaca, de modo que Magalhães se convenceu
de que se localizavam no hemisfério castelhano.[19] A mesma crença foi partilhada pelo estudado cosmógrafo Rui Faleiro, que também afirmou ter
desenvolvido um método confiável de medição da longitude. Assim, seria possível
localizar a posição leste-oeste das Molucas. Magalhães e Faleiro assinaram
então um acordo: concordaram em propor uma expedição ao rei de Castela que
chegaria às Molucas pela rota ocidental e se apossaria delas para o reino.[18] Enquanto isso, Cristóvão de Haro foi forçado a deixar Portugal por
causa de disputas de negócios com a coroa portuguesa; ele voltou a Castela,
provavelmente na primavera de 1517.[20]
O contrato da expedição
Magalhães chegou a Sevilha em 20 de outubro de 1517.[21] Ele veio para a casa do conterrâneo português Diogo Barbosa — seu futuro sogro —
que administrava os castelos reais e estaleiros de Sevilha a serviço de um português
exilado da Casa de Bragança.
Naquela época, a Casa de la
Contratación, agência de comércio exterior castelhana, tinha suas
instalações nesses edifícios. Magalhães contratou os serviços de Juan de
Aranda. Aranda ofereceu-se para marcar uma audiência para Magalhães e Faleiro
com o Rei Carlos I, que então se encontrava com a sua corte em Valladolid. Em troca, Aranda solicitou uma
participação nas empresas de Magalhães e Faleiro, para as quais foi assinado um
contrato.[22]
Aranda, Magalhães e Faleiro
viajaram para Valladolid, onde foram
recebidos por volta de 20 de fevereiro pelo Conselho Real, pelo bispo Juan
Rodríguez de Fonseca e pelo Grão-Chanceler Jean Sauvage, posteriormente,
segundo o depoimento de Magalhães, por Carlos I pessoalmente. Prometera ao rei
dar a Castela a possibilidade de atingir as Molucas pelo Ocidente, por mares
não reservados aos portugueses no Tratado de
Tordesilhas., Além disso, segundo Faleiro, provar que as ilhas das
especiarias se situavam no território pertencente a Castela.
Na antessala de Jean Sauvage,
Magalhães encontrou o missionário Bartolomeu de las
Casas, que descreveu o navegador em sua Historia de las Indias como
"baixa estatura" e "discreto", mas "corajoso em seus
pensamentos e pronto para grandes feitos". Trata-se da única descrição
contemporânea da aparência de Magalhães que chegou aos nossos dias.[23] Depois de Magalhães e Faleiro apresentarem a sua empresa, Jean
Sauvage pediu-lhes que elaborassem um memorando com os seus termos e condições.[24] Com base neste memorando, o rei Carlos I concluiu uma "Capitulación",
ou seja, um contrato, com os dois em 22 de março de 1518.[25]
Para o cumprimento das suas
funções, deveriam ser disponibilizados cinco navios, uma tripulação de 234
homens, bem como equipamentos, artilharia e provisões para dois anos. Para o
abastecimento da tripulação durante a viagem, foram adquiridos os seguintes
itens: 2138 quintais [antiga unidade de peso que
corresponde a 100 kg cada] de tostas, 508 barris de vinho, 50 fanegas [antiga unidade de medida de volume ou capacidade
equivalente a 3,4 litros cada] de feijão, 90 fanegas grão de bico, duas fanegas
lentilhas, 48 quintais de "óleo para consumo", 200 barris de anchovas
e peixes secos, 57 quintais de bacon seco, sete vacas, 984 pães de queijo, água
potável em barris, 21 arrobas de açúcar, 200 fanegas de vinagre, 250 tranças de
alho, 18 quintais de passas e pequenas quantidades de figos, amêndoas, mel,
ameixas secas, sal, arroz, mostarda, farinha de trigo e outros.[26]
Com a "Capitulación".
obtida em 22 de março de 1518, Magalhães e Rui Faleiro receberam de Carlos I a
missão de "descobrir ilhas e continentes, ricas jazidas de especiarias e
outras coisas" no mundo espanhol. E que sob nenhuma circunstância deveriam
operar na parte portuguesa do mundo. Como recompensa pelas "dificuldades e
perigos", o Rei prometeu a Magalhães e Faleiro um quinto do lucro líquido
da sua aventura. E torná-los governadores dos países que descobririam. Além
disso, eles deveriam receber um vigésimo de todas as receitas fiscais desses
países e ser autorizados a negociar por 1000 ducados todos os anos com dedução dos
impostos. Todos esses direitos deveriam passar para seus herdeiros, se eles
tivessem nascido e se casado em Castela.
A "Capitulación"
estipulava que a rota do presumível estreito para oeste estava reservada a
Magalhães e Faleiro por dez anos e não podia ser utilizada por mais ninguém. Em
documentos separados, o rei nomeou os dois portugueses "capitães em mar e
em terra" com um salário anual de 50 000 maravedis cada e determinou que
partissem em 25 de agosto de 1518. O cartógrafo de origem portuguesa Diogo Ribeiro que trabalhava para
Castela, na Casa de la
Contratación em Sevilha, participou no desenvolvimento
dos mapas utilizados na viagem.
Após demorados preparativos, repletos de incidentes, houve um novo atraso no verão de 1519 porque poucos marinheiros espanhóis estavam dispostos a participar da viagem arriscada. Magalhães foi então obrigado a contratar marinheiros de outros reinos, principalmente portugueses, o que por sua vez causou desconforto em Castela. Eles impuseram um limite numérico para marinheiros do reino de Portugal. No entanto, essa questão levou Rui Faleiro, que seria o segundo capitão ao lado de Magalhães, a ser excluído da expedição.[27]
Nau Victoria, a única
que concluiu a viagem de circum-navegação. Detalhe do mapa-mundi de Abraham Ortelius, Antuérpia, 1570.
Depois da ruptura com Rui Faleiro,
Magalhães continuou a aparelhagem dos cinco navios que, com 234 homens de
tripulação, partiram de Sanlúcar de
Barrameda em 20 de setembro de 1519.[28] A tripulação era majoritariamente composta por espanhóis, mas havia
também tripulantes com outras origens: 37 portugueses, 26 italianos, dez
franceses, quatro flamengos, dois gregos,dois alemães, um inglês, um norueguês
e um escravo malaio, Henrique de Malaca, que atuaria como intérprete para
Magalhães. Nas Ilhas Canárias, o número total de tripulantes aumentou para 242.
A esquadra era formada pelas
seguintes naus:
·
Trinidad (nau capitânia), capacidade de carga de 110
toneladas, preço: 270 000 maravedis, tripulação: 62 homens, capitão: Fernão de
Magalhães, timoneiro: Estevão Gomes, mestre: Giovanni Battista de Punzorol;
·
San Antonio, capacidade de carga de 120 toneladas, preço: 330 000
maravedis, tripulação: 57 homens, capitão: Juan de Cartagena, timoneiros:
Andrés de San Martín e Juan Rodríguez de Mafra, mestre: Juan de Elorriaga;
·
Concepción, capacidade de carga de 90 toneladas, preço: 228 750
maravedis, tripulação: 45 homens; capitão: Gaspar de Quesada, timoneiro: João
Lopes Carvalho, mestre: Juan Sebastián Elcano;
·
Victoria, capacidade de carregamento de 85 toneladas, preço: 300 000 maravedis,
tripulação: 45 homens, capitão: Luis de Mendoza, timoneiro: Vasco Gallego,
comandante: Anton Salamon;
· Santiago, capacidade de carga de 75 toneladas, preço: 187 500 maravedis, tripulação: 33 homens, capitão e timoneiro: Juan Serrano, mestre: Balthasar, "o genovês".[29]
Estátua em Ponte da Barca
Fernão de Magalhães fez um
segundo testamento em
Sevilha em 24 de agosto de 1519, onde instituiu Morgado de boa parte de seus bens,
que deixa a seu filho Rodrigo de Magalhães e, na falta dele, a seus irmãos
Diogo de Souza de Magalhães e Isabel de Magalhães. Obriga o administrador a
usar o nome de Magalhães e as suas armas («trayga las armas de magallanes segun
e de la manera que yo las traygo que son de magallanes e sosa»).
Antonio Pigafetta, escritor italiano que
havia arcado com as custas para viajar com a expedição, escreveu um diário
completo de toda a viagem, possibilitado pelo facto dele ter sido um dos 18
homens a retornar vivo à Europa na nau Victoria. Dessa forma, legou
à posteridade um raro e importante registo de onde se pode extrair muito do que
se sabe sobre este episódio da história.
Viagem às Molucas
A armada fez escala nas ilhas Canárias e alcançou a costa
da América do Sul,
chegando a 13 de dezembro ao Rio de Janeiro.
Prosseguindo para o sul, atingiram Puerto San Julián à
entrada do estreito, na extremidade da atual costa da Argentina, onde o capitão decidiu
hibernar. Irrompeu então uma revolta que ele conseguiu dominar com habilidosa
astúcia. Após cinco meses de espera, período no qual a nau Santiago foi
perdida em uma viagem de reconhecimento, tendo os seus tripulantes conseguido
ser resgatados, Magalhães encontrou o estreito que hoje leva seu nome,
aprofundando-se nele. Em outra viagem de reconhecimento, outra nau foi perdida,
mas desta vez por um motim na nau San Antonio onde a
tripulação aprisionou o seu capitão Álvaro de Mesquita, primo de Magalhães, e
iniciou uma viagem de volta com o piloto Estêvão Gomes (realmente
estes completaram a viagem, espalhando ofensas contra Fernão de Magalhães na
Espanha).
Apenas em novembro a esquadra
atravessaria o Estreito,
penetrando nas águas do Mar do Sul (assim baptizado por Balboa),
e baptizando o oceano em que entravam como «Pacífico» por
contraste às dificuldades encontradas no Estreito. Depois de cerca de quatro
meses, a fome, a sede e as doenças (principalmente o escorbuto) começaram a dizimar a
tripulação. Foi também no Pacífico que
encontrou as nebulosas que
hoje ostentam o seu nome — as nebulosas de
Magalhães.
Em março de 1521, alcançaram a ilha
de Ladrões no atual arquipélago de Guam, chegando à ilha de Cebu nas atuais ilhas Filipinas em 7 de abril.
Imediatamente começaram com os nativos as trocas comerciais; boa parte das
grandes dificuldades da viagem tinham sido vencidas. Dias depois, porém, Fernão
de Magalhães morreu em combate com os nativos na ilha de Mactan, atraído a uma emboscada, sendo
morto pelo nativo Lapu-Lapu. Ainda hoje,
se tenta perceber se Fernão de Magalhães conseguiu de facto fazer uma Viagem de
Circum-Navegação do Globo pessoal, sabe-se que Fernão de Magalhães já tinha
viajado como membro da tripulação em expedições Portuguesas ao extremo oriente,
a segunda em Malaca, alguns historiadores atestam que Fernão de Magalhães possa
ter ido com Francisco Serrão às ilhas Molucas, o que a ser verdade tornaria
automaticamente Magalhães como o primeiro homem a circunavegar o mundo, não num
estrito senso de começar e a acabar a viagem no mesmo local, mas uma
circum-navegação latitudinal visto que o local onde faleceu e por consequente
deixou de comandar a expedição, foi em Cebu, nas Filipinas, a ocidente das
ilhas Molucas, hipoteticamente explorados pelo navegador.[30][31]
A expedição prosseguiu sob o
comando de João Lopes Carvalho, deixando Cebu no início de março de 1522.
Dois meses depois, seria comandada por Juan Sebastián
Elcano.
O regresso
Decidiram incendiar a nau Concepción,
visto o pequeno número de homens para operá-la, e finalmente conseguiram chegar
às Molucas, onde obtiveram seu suprimento de especiarias. Trinidad acabou
ali permanecendo para reparos e a Victoria voltou sozinha para
casa, contornando o Índico pelo sul, a fim de não
encontrar navios portugueses. A Trinidad, após os reparos tentou
seguir uma rota pelo Pacífico até a América Central, onde poderia contatar os
espanhóis e levar sua carga, no entanto acabou tendo de retornar às Molucas
onde seus tripulantes foram aprisionados pelos portugueses que haviam chegado. A
nau Victoria dobrou o Cabo da Boa
Esperança em 1522, fez escala em Cabo Verde, onde alguns homens foram
detidos pelos portugueses, alcançando finalmente o porto de Sanlúcar de
Barrameda, com apenas 18 homens na tripulação.
Uma única nau tinha completado a circum-navegação do globo ao alcançar Sevilha em 6 de setembro de 1522. Juan Sebastián Elcano, a restante tripulação da expedição de Magalhães e o último navio da frota regressaram decorridos três anos após a partida. A expedição de facto trouxe poucos benefícios financeiros, não tendo a tripulação chegado a receber o pagamento.
A rota através do estreito em
detalhe
Curiosidade: Na época não existia
a Linha
Internacional de Data, sendo que ao chegarem a Sevilha a tripulação
não subtraiu um dos 1081 dias que permaneceram a bordo da expedição. A precariedade
das medições não foi suficiente para conter a discussão que se seguiu sobre a
duração da viagem, sugerindo que fosse enviada ao Vaticano uma comissão
internacional sobre expedições ao redor da Terra.
Impacto no Brasil
A expedição de Fernão de Magalhães permaneceu por pouco tempo no Brasil. A frota aportou primeiramente no Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, no dia 29 de novembro de 1519. Tratou-se de uma rápida estadia destinada ao abastecimento das naus. Algum tempo depois a expedição chegou na Baía de Guanabara onde permaneceu por duas semanas, de 13 a 26 de dezembro do mesmo ano. As estadias na costa do Brasil foram breves porque a expedição não estava autorizada a aportar em terras portuguesas devido ao Tratado de Tordesilhas. Durante a passagem pelo Brasil, os marinheiros mantiveram contatos com os povos tupis que habitavam a costa. Eles estabeleceram relações comerciais com os índios, usualmente conhecidas como escambo.[32] Compraram produtos frescos e variados em troca de objetos europeus. Algumas destas transações foram registradas pelo cronista da expedição, o veneziano Antonio Pigafetta.[33]
Mural de azulejos localizado na
entrada do Museu Naval no centro do Rio de Janeiro. Representa as grandes
navegações do final do século XV e início do XVI, inclusive a primeira
circum-navegação da terra realizada por Fernão de Magalhães
Como todo acontecimento histórico
global, a primeira viagem de circum-navegação da terra gerou impacto nos
lugares por onde passou e no Brasil não foi diferente. A Marinha do Brasil chegou a refazer a
viagem no século XIX com a Corveta Vital de Oliveira,[34] iniciando o trajeto em 1879. Alguns anos depois, a Marinha refez
novamente o trajeto, desta vez com o Cruzador
Almirante Barroso (1888–1890), cujo objetivo era realizar a
instrução da turma de guardas-marinha formada em 1886. Esta viagem, que
percorreu 36.691 milhas náuticas, foi registrada em um livro escrito pelo seu
comandante. Durante o trajeto ocorreu um fato curioso. Devido à Proclamação da República do Brasil, o neto do Imperador, e
Segundo-Tenente da Armada Imperial, Príncipe Dom Augusto Leopoldo, que fazia parte da tripulação,
teve que desembarcar em Colombo (Sri Lanka).[35] A Marinha possui um interesse na temática que se reflete em várias
seções da instituição, sobretudo na Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da
Marinha (DPHDM). No Museu Naval há uma referência à
expedição na entrada da exposição permanente, assim como artefatos do século
XVI, incluindo instrumentos de navegação. Ademais, na Revista
Marítima foram publicados artigos sobre a importância de Fernão
de Magalhães na arte da navegação, assim como das posteriores comemorações da
sua viagem, sobretudo o quarto centenário.
A viagem foi também refeita
pela Família Schürmann,
famosos velejadores brasileiros, no marco da expedição Magalhães Global
Adventure. Eles partiram em 23 de novembro de 1997 no veleiro Aysso,
percorrendo 32 657 milhas durante 912 dias. A viagem foi concluída com a
chegada a Lisboa no momento das comemorações
dos 500 anos do Descobrimento do
Brasil. A aventura foi registrada em um documentário, O Mundo em Duas
Voltas. Por ocasião da viagem da família, a escola de
samba Embaixada Copa Lord, integrante da liga
das escolas de samba de Florianópolis (Liesf), realizou uma homenagem à expedição de Fernão de
Magalhães em 2001. O samba-enredo,
intitulado "Vento em sinfonia, a família Schurmann vai zarpar",
conquistou o segundo lugar do desfile.
Fernão de Magalhães também inspirou
algumas produções culturais brasileiras, que tratavam de sua história e
participação na circum-navegação. Uma revista em quadrinhos da série
"Descobrimento", publicada em 1959 pela editora EBAL,
conta a sua biografia. A coleção 'Biografias em Quadrinhos' tinha um caráter
educativo, que buscava mudar a percepção que esta forma literária tinha então.
A influência de Magalhães perdurou na sociedade brasileira por várias décadas.
Ele foi, por exemplo, homenageado pela "Gaviões Imperiais", escola de samba
virtual que apresentou o mesmo enredo duas vezes, em 2009 e em
2015. O desfile conta a história da circum-navegação, cujo título é: "Por
Mares Nunca Antes Navegados... O Sonho de Fernão de Magalhães".[36] A escola integra a Liga Independente das Escolas Virtuais (LIESV).
Por ocasião das comemorações do 5.º
Centenário da viagem uma série de iniciativas foi desenvolvida no Brasil,
sobretudo no Rio de Janeiro. A Marinha do Brasil, em parceria com a Marinha Portuguesa,
fez diversos eventos relacionados à efeméride. O primeiro ocorreu em outubro de
2019, o I Simpósio de História Marítima "Por uma História Marítima e suas
perspectivas no campo historiográfico brasileiro"[37] realizado no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). No
mesmo ano, o Brasil sediou o seminário internacional sobre o "5º
Centenário da primeira volta ao mundo: a estadia da frota no Rio de
Janeiro". Realizado no Museu Histórico Nacional, contou com a participação
de historiadores espanhóis, portugueses, brasileiros e demais
latino-americanos. Em 2020, uma cerimônia que contou com a presença de
autoridades lusitanas e brasileiras deu o nome de "Praça da
Circum-Navegação" a uma localidade que fica nos arredores da Baía de
Guanabara, ao lado da Rio Star, maior
roda-gigante da América Latina, fazendo uma alusão à volta ao mundo e ao
reforço do caráter redondo da Terra, resultado da viagem de Magalhães-Elcano.[38]
As notícias da viagem de Fernão de
Magalhães às Molucas ao serviço de Carlos I, por mares reclamados por Portugal
e supostamente interditos à passagem de navios pela Coroa de Castela tal como
estipulado pelo Tratado de
Tordesilhas, tanto à ida pelo Atlântico sul, como no regresso pelo
Oceano Índico e de novo pelo Atlântico, causaram alguma apreensão na Corte portuguesa. A viagem deu origem a
uma disputa internacional entre Portugal e Castela, dado que ambas as nações
reclamavam agora soberania sobre as ilhas alcançadas e descobertas
primeiramente por Francisco Serrão em
1512, sem que fosse no entanto possível determinar em que hemisfério se
localizava o arquipélago, uma vez que era impossível à época determinar a
longitude com grande precisão. Esta disputa, doravante conhecida como a Questão das
Molucas, foi resolvida mediante o pagamento de um resgate de 350 000
ducados de ouro por parte de D. João III ao seu cunhado, o Imperador Carlos V,
pelo direito à posse das ilhas.[39] Em relação a Magalhães e à sua viagem, escreveria mais tarde Luís Vaz de Camões no
Canto X d'Os Lusíadas: "O
Magalhães, no feito, com verdade,/Português, porém não na lealdade",
referindo-se aos seus serviços em favor da Coroa de Castela.[40]
A vida e a viagem de
circum-navegação é descrita no romance biográfico Fernão de Magalhães e
a Ave-do-Paraíso, do escritor João Morgado.
Cronologia
·
1480 — Data provável do nascimento
de Fernão de Magalhães no norte de Portugal.[41]
·
1505 — Partiu para a Índia na armada de D. Francisco de
Almeida.
·
1509 — Participou na desastrosa
expedição a Malaca de Diogo Lopes de
Sequeira; fez grande amizade com Francisco Serrão.
·
1511 — Participou, sob o comando
de Afonso de
Albuquerque, na conquista de Malaca.
·
1512 — Integrou a armada de António
de Abreu, que foi às Molucas do sul no mar de Banda.
·
1513 — Regressou a Lisboa.
·
1514 — Foi ferido em combate, em
Azamor (Marrocos); novamente em Lisboa, D. Manuel I recusou-lhe o aumento na
tença.
·
1517 — Dirigiu-se a Sevilha para apresentar a Carlos V o
seu plano de alcançar as "Ilhas das
Especiarias" pelo Ocidente.
·
1519 — Iniciou a que foi a primeira
viagem de circum-navegação; alcançou a baía da Guanabara.
·
1520 — Alcançou a foz do Rio da Prata; fez invernada na baía de São
Julião; dominou um motim; atravessou o Estreito e alcançou o Oceano Pacífico.
·
1521 — Descobriu a Ilha dos Ladrões; descobriu o arquipélago
das Filipinas e aí foi morto.
·
1522 — Juan Sebastián
Elcano concluiu a primeira viagem de circum-navegação.
Tripulação
Estes 18 homens regressaram a Sevilha na Nau Victoria em
1522: |
|
Mestre |
|
Francisco Albo, de Axio |
Piloto |
Miguel de Rodes |
Piloto |
Juan de Acurio, de Bermeo |
Piloto |
Supernumerário |
|
Chefe de embarcação |
|
Hernando de Bustamante, de Alcántara |
Marinheiro |
Nicolas o Grego, de Nápoles |
Marinheiro |
Miguel Sánchez, de Rodes |
Marinheiro |
Antonio Hernández Colmenero, de Huelva |
Marinheiro |
Francisco Rodriguez, de Sevilha |
Marinheiro |
Juan Rodríguez, de Huelva |
Marinheiro |
Diego Carmena |
Marinheiro |
Hans de Aachen (João de Aquisgrão) |
Artilheiro |
Juan de Arratia, de Bilbao |
Marinheiro |
Vasco Gómez Gallego, de Baiona |
Marinheiro |
Juan de Santandrés, de Cueto |
Grumete |
Juan de Zubileta, de Barakaldo |
Pajem - Registado no livro de bordo Juan de Vizcaya com 14 anos de idade. |
Apenas quatro homens dos 55 da
tripulação original do Trinidad finalmente regressaram a Espanha em 1525.
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