A guerra do Alvarinho acabou numa paz inesperada
17/01/2015 - 12:44
O Minho viveu em 2014 uma das mais
apaixonadas querelas rurais dos últimos anos, a propósito do alargamento da
menção da casta Alvarinho a toda a região dos Vinhos Verdes. A Assembleia da
República e a Comissão Europeia envolveram-se nos combates. Após dura
negociação, Monção e Melgaço tiveram de ceder os privilégios aos seus vizinhos.
A exclusividade de Monção e Melgaço acabará
dentro de seis anos
Ao longo dos últimos doze meses os cerca
de dois mil produtores de vinho dos concelhos de Monção e Melgaço mantiveram
uma guerra improvável em defesa de um património genético que acreditam ser da
sua inteira propriedade. Geração após geração, os agricultores desses dois
concelhos encostados ao rio Minho aproveitaram as condições naturais das suas
encostas e o potencial da casta Alvarinho para fazerem vinhos brancos com
aromas exóticos, corpo de veludo, uma mineralidade única e um potencial de
envelhecimento notável.
O mundo,
entretanto, mudou, as regras europeias também e a globalização levou o
Alvarinho a todas as regiões do país e a muitas áreas produtoras de outros
continentes. Impotentes para evitar a expansão da grande casta branca do país,
os agricultores de Monção e Melgaço foram conseguindo proibir que os seus
congéneres da sua própria região, os Vinhos Verdes, a usassem nos seus vinhos
de categoria superior. Esta semana perderam a batalha decisiva.
Dos dois
campos do conflito ouviram-se dezenas de argumentos a favor e contra o
alargamento da produção de Alvarinho a todas as zonas do Vinho Verde – hoje, um
agricultor de Penafiel, por exemplo, pode plantar a casta, mas se quiser
declarar o seu vinho como “Alvarinho” não pode usar a denominação de origem
“Vinho Verde” mas apenas a indicação geográfica “Regional Minho” - uma espécie
de segunda divisão dos vinhos do Noroeste, com menor valor económico. Em cima
da polémica que opôs dois concelhos ao resto da região estiveram noções
ancestrais de domínio exclusivo do património genético, bairrismo de pendor
rural, preconceitos de classe entre produtores de um vinho que se diz de classe
mundial e aqueles que – consideram os primeiros - se dedicam ao “volume” e ao
“granel” e, principalmente, interesses de natureza económica. “Foi uma polémica
muito marcada pela emoção e pela afectividade”, resume Anselmo Mendes, o enólogo
que se tornou num dos emblemas do Alvarinho.
Um dia,
sabia-se, a exclusividade da menção do Alvarinho nos Vinhos Verdes dos
produtores de Monção e Melgaço teria de acabar, mas, em vez de esperar pela
imposição legal, a Comissão de Vitivinicultura da Região (CVRVV) optou por um
processo de discussão interna. Em Dezembro de 2013, o debate abriu-se a todos
os produtores e desde logo ficou claro que o combate seria duro e difícil.
Manuel Pinheiro, presidente da CVRVV fez o papel de capacete azul da ONU e deixou
que a discussão seguisse o seu próprio caminho. “Mais do que corrigir
problemas, o fundamental era planear o futuro e aí a região acabou por se
unir”, diz agora Manuel Pinheiro. Mas, até chegar a este ponto, foi preciso
remediar a desunião. Principalmente depois de duas propostas de resolução do PS
e do PSD terem sido votadas na Assembleia da República exigindo que se
mantivesse a exclusividade do uso da menção Vinho Verde Alvarinho aos
produtores dos dois concelhos encostados à margem do rio Minho.
Se até
então fora difícil gerar consenso no seio de um grupo de trabalho com dez
elementos da produção e do comércio, a intervenção dos partidos agravou ainda
mais a situação. “Os políticos aproveitaram esta polémica para ter um pouco de
palco”, lamenta Anselmo Mendes, que integrou o grupo de trabalho. Mas quando se
julgava que o debate estava condenado a eternizar-se ou a esvaziar-se na
indefinição, a Comissão Europeia entra em cena e, em Outubro do ano passado,
notifica Portugal que as restrições à rotulagem de Alvarinho são incompatíveis
com as regras comunitárias. Acto contínuo, Bruxelas exige uma resposta do
Estado até ao final deste mês. Nesta fase, a polémica deixara de ser um
conflito bairrista. Tornara-se um assunto que o Governo teria de resolver.
Confrontado
com o problema, o secretário de Estado da Agricultura, José Diogo Albuquerque,
faz regressar o debate ao ponto zero e pede à CVRVV que volte a reunir as
partes desavindas para encontrar uma solução até 15 de Janeiro deste ano. O
grupo de trabalho volta a reunir-se. Mas, desta vez, o que estava em causa já
não era o sim ou não ao alargamento. Os produtores de Monção e Melgaço sabiam
que a sua causa estava perdida. O que importava agora era obter o máximo de
concessões para acordarem o alargamento da menção Alvarinho a todos os vinhos
com direito à denominação de origem “Vinho Verde”. Foi a essa tarefa que os
membros do grupo de trabalho se dedicaram. No final da tarde de segunda-feira,
o caderno de encargos para o futuro estava decidido. Todos votaram a favor, com
excepção de Pedro Soares, representante da Quinta de Melgaço, uma empresa cuja
maioria do capital está nas mãos da autarquia na sequência de uma dádiva de um
ex-emigrante no Brasil, Amadeu Abílio Lopes, em 1996. Soares absteve-se.
O último
fôlego
Numa
última tentativa para travar um acordo, umas quatro centenas de habitantes do
concelho de Melgaço deslocaram-se ao Porto para se fazerem ouvir junto do grupo
de trabalho que ultimava o documento final. "Temos que defender o
que temos, porque em Melgaço não há fábricas, não há mais nada. O alargamento
vai tirar aquilo que é nosso", dizia uma manifestante. O grão-mestre da
Real Confraria do Vinho Alvarinho, José Afonso, protestava contra a “usurpação
que a restante região quer fazer de um trabalho que foi desenvolvido na
viticultura de Monção e Melgaço".
Na
produção, os preços praticados parecem dar-lhes razão. Um quilograma de uvas
Alvarinho pode valer facilmente mais de um euro em Monção e Melgaço, enquanto a
mesma quantidade da mesma casta em outras zonas dos Vinhos Verdes se fica pelos
60 cêntimos e a produção com outras castas regionais vale, segundo Pedro
Soares, da Quintas de Melgaço, entre 40 e 45 cêntimos. Só que esta valorização
nem sempre tem os reflexos ideais no mercado. A produção da sub-região de
Melgaço e Monção não tem sido capaz de acompanhar o dinamismo dos Vinhos
Verdes, que à custa das suas ofertas de vinhos frutados, frescos e com um menor
teor médio de álcool se tornou uma poderosa máquina de exportação (43,9 milhões
de euros entre Janeiro e Outubro do ano passado facturados em 98 países). As
vendas regionais de branco, tinto e rosado ascenderam no ano passado a mais de
52 milhões de litros de vinho – os Alvarinho ficaram-se pelos 1,4 milhões de
litros.
Como
consequência, enquanto na região se fala na necessidade de novas plantações
para responder à procura crescente, em Monção e Melgaço têm-se registado
excedentes que ajudam a explicar congelamento dos preços a níveis do ano 2000,
na avaliação de Manuel Pinheiro. Melgaço e Monção têm atraído o interesse de
grandes empresas nacionais, como a João Portugal Ramos, que tem o seu próprio
Alvarinho, mas nem a crescente apetência pelos aromas desta casta promoveram
grandes melhorias na situação. “Muitos dos Alvarinho mais baratos do mercado
são de Monção e Melgaço”, sublinha António Guedes. Mesmo ao nível da qualidade,
a discussão sobre o potencial desta sub-região é objecto de discussões. No
concurso de 2014 entre os Alvarinho portugueses e galegos, realizado em
Bruxelas, um dos dois vencedores da medalha “grande ouro” foi um vinho de
Amares – o outro foi um espanhol. Mas entre a crítica especializada parece
consensual que os Alvarinhos da Soalheira ou os criados por Anselmo Mendes
atingem níveis de qualidade imbatíveis.
O acordo
final do grupo de trabalho acaba por reconhecer que há um direito histórico dos
produtores de Monção e Melgaço cuja extinção requeria medidas transitórias,
compensações financeiras e distinções especiais. O fim da exclusividade
acontecerá no prazo de seis anos. Até lá, os Alvarinho da sub-região vão
receber meio milhão de euros por ano para se promoverem no exterior. E a sua
produção vai poder continuar a ter direito a uma menção especial – inicialmente
falou-se em Alvarinho Premium, mas a designação caiu. “Eles ganharam imenso”,
diz António Guedes.
Anselmo
Mendes concorda, em termos genéricos, mas teria preferido que a sub-região
mantivesse um estatuto especial, uma espécie de denominação de origem própria
dentro do chapéu dos Vinhos Verdes como existe na Borgonha em relação a, por
exemplo, Montrachet. Pedro Soares anuncia que, para já, a polémica fica
suspensa, mas lamenta que os produtores da sua região tenham agora de enfrentar
a concorrência.
No final
da polémica, sobra ainda a história rara de uma região vitícola portuguesa ter
sido capaz de resolver uma questão com esta complexidade pelos seus próprios
meios, sem ingerências de terceiros. “Chegou-se a um acordo mais cedo do que a
maioria das pessoas pensava”, regozija-se Manuel Pinheiro. “O que conseguimos
foi muito bom. A Comissão ficou mais forte”, nota António Guedes. Agora,
sublinha o presidente da CVRVV, “há que olhar para a frente e concentrar-nos no
que interessa: em afirmar o nosso Alvarinho no mundo contra a força do Albariño
espanhol”.
“Alvarinho” vai poder ser usado em todos os Vinhos Verdes
14/01/2015 - 19:40
Após uma
polémica que durou mais de um ano, um grupo de trabalho aprovou uma decisão que
acaba com a exclusividade do uso da casta nos vinhos da denominação de origem
“Vinho Verde” aos produtores da sub-região de Melgaço e de Monção.
Depois de
várias reuniões em sede da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos
Verdes (CVRVV), o grupo de trabalho, com dez membros, votou a sua decisão final
apenas com a abstenção do representante da Quintas de Melgaço, cuja maioria do
capital está nas mãos da autarquia. “A região uniu-se e conseguiu chegar a um
acordo mais cedo do que inicialmente muitas pessoas acreditavam”, afirma Manuel
Pinheiro, presidente da CVRVV.
Em
resultado da sua qualidade (para muitos, a Alvarinho é a grande variedade de uvas
brancas de Portugal), a casta está plantada em todo o país e, exceptuando no
Algarve e na Bairrada, pode dar origem a vinhos com denominação de origem – por
exemplo, um Douro Alvarinho ou um Dão Alvarinho. Na sua região originária,
porém, e fora de Monção e Melgaço, só podia mencionada no rótulo em vinhos que
fossem declarados como “Regional Minho”, a “segunda divisão” da produção
regional. Para os produtores da sub-região, o que estava em causa era a
protecção de um património que eles construíram nas últimas décadas e a defesa
“dos rendimentos dos produtores”, na opinião de Pedro Soares, da Quinta de
Melgaço.
No acordo
que define os termos da mudança, os produtores de Monção e Melgaço vão poder
usar de rótulos e de uma designação distintiva para os seus vinhos e, entre
outras medidas, dispor de três milhões de euros nos próximos seis anos para
promoção dos vinhos regionais. “Eles ganharam com isso”, diz António Guedes, da
Aveleda, que sublinha a importância de a região ter sido capaz de decidir o seu
futuro sem intervenção externa. Anselmo Mendes, o enólogo emblemático dos
Alvarinho, que fez parte do grupo de trabalho, “fala num acordo razoável” e diz
que o futuro da sub-região será melhor se for capaz de destacar o potencial da
designação Monção e Melgaço.
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