Festa em Honra do Senhor Jesus das Chagas
Segundo reza a lenda, no século XVI, terá
aparecido na praia, sobre um rochedo, a “Pedra Alta”, uma imagem de Cristo
crucificado, que os pescadores devotamente levaram em procissão até à Igreja da
Misericórdia, e a tomaram como seu santo padroeiro nomeando-o de Senhor Jesus
das chagas.
As celebrações em honra do padroeiro dos pescadores de Sesimbra têm lugar nos
últimos dias de Abril e na primeira semana de Maio, sendo os dias 3, 4 e 5
deste mês os mais importantes. É a festa principal da vila que se desdobra por
novenas, sermões, pagamento de promessas e procissão, uma das maiores do sul do
país, cujo percurso é semelhante ao que se fazia no século XVIII.
O início das festas dá-se com a realização de uma pequena procissão de
transferência da imagem da capela da Santa Casa da Misericórdia para a Igreja
Matriz. Esta procissão realiza-se ainda durante o mês de Abril e durante os
dias em que aí permanece realiza-se a Novena.
O dia 4 de Maio é o da procissão em que a imagem do Senhor Jesus das Chagas
percorre as ruas de Sesimbra. O pendão em que se inscreve a sigla S.P.Q.R.
inicia a procissão, seguida da fanfarra dos Bombeiros de Sesimbra da Cruz da
Irmandade e do duplo cordão das capas vermelhas. Segue-se a imagem do Senhor
Jesus das Chagas e por fim seguem a banda e os devotos que cumprem promessas. A
procissão dura aproximadamente duas horas, durante a qual há nove paragens
obrigatórias e em que é feito um pedido de bênção. Ao longo do percurso quatro
ou cinco dessas paragens são viradas para o mar e as restantes para a terra.
Algumas das ruas onde passa a procissão são totalmente atapetadas de alecrim da
Serra da Arrábida.
Originalmente a imagem partia da capela onde estava todo o ano. No final do
século XVIII a imagem passou a ser trasladada para a Igreja Matriz dez dias
antes da véspera do dia da procissão. Este facto deveu-se ao crescimento da
população e ao aumento do número de participantes, que só a Igreja Matriz podia
acolher.
No que respeita a organização, podemos dividi-la por três instituições:
- A igreja tem a seu cargo as cerimónias religiosas e organiza em
complementaridade com a Comissão de Festas a procissão, a novena e as missas
que se celebram nos dias festivos;
- A Câmara Municipal organiza o arraial, as actividades musicais, desportivas e
o aluguer do espaço;
- A Comissão de Festas, composta por um Juiz e os chamados festeiros, em regra
pescadores, coordena toda a organização da festa. A comissão muda anualmente,
sendo costume o Juiz propor o seu sucessor. A proclamação do novo juiz é feita
no decorrer das cerimónias sendo, na sua tomada de posse tomado um compromisso
solene e público de levar a bom termo a realização das festas no ano seguinte.
A Festas das Chagas envolve, de forma mais ou menos assumida, uma força de
religiosidade de todo um povo, que, embora mais ou menos descrente noutros
momentos da vida, vai tentando compensar ao menos uma vez por ano a sua
obrigação para com o grande Protector colectivo e a título individual.
As imagens de Cristo crucificado de grandes dimensões eram um imperativo em
qualquer templo cristão, nos finais da Idade Média, pois, segundo diziam os
pregadores, os fiéis, mal entrassem numa Igreja, deviam contemplar no Mistério
da Paixão de Cristo as verdades essenciais da sua fé. Os acontecimentos da
Reforma provocaram nos países protestantes a destruição ou mutilação de muitas
imagens, ou a sua remoção dos altares. Em contrapartida, nos países católicos
reforçou-se o culto das Imagens, sendo algumas delas encontradas nas praias ou
no mar e reputadas como sendo provenientes dos países dos hereges. Terá sido o
que aconteceu com a notável imagem do Senhor Jesus das Chagas, encontrada no
século XVI por pescadores da Vila de Sesimbra e desde então objecto de grande
devoção pelos sesimbrenses. Trata-se de uma Imagem tardo-gótica, em madeira de
grandes dimensões, representando Cristo morto na Cruz, que a devoção popular
cobre com cabelos humanos e com um sendal de tecido ricamente bordado. O
resplendor da imagem é barroco, o mesmo podendo dizer-se da monumental cruz a
que se encontra afixado. Quando sai em procissões, o andor é ricamente
ornamentado com flores que significam mais do que uma vaidade de promessa, elas
envolvem uma linguagem de ressurreição e que envolve o Crucificado em tempo
pascal.
A imagem do Senhor Jesus das Chagas é classificada como sendo artisticamente
simples, sociologicamente simbólica e cristãmente representativa. É uma imagem
diferente e poderosa! Ao longo dos anos a devoção ao Crucificado tem estado
sempre presente nesta tradição sesimbrense embora tenham havido algumas
mudanças, principalmente na preparação para a procissão. Como tal, fomos falar
com o Sílvio Couto, pároco da Paróquia de Santiago e um dos principais
intervenientes na festa. Foi ele que nos explicou as mudanças que têm vindo a
acontecer, embora “mais em pormenor e não nas questões de fundo”. Segundo o
próprio “a expressão mantém-se, a forma de viver é que pode transformar-se, de
acordo com cada tempo”.
Publicada por Mariposa
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