Rev Port Ortop Traum 21(3): 313-322, 2013
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Doença
de Dupuytren
Uma
visão atual sobre a doença
Sara
Machado
Serviço de Ortopedia e Traumatologia.
Centro Hospitalar de S. João. Porto. Portugal.
Sara Machado
Interna do Complementar de Ortopedia Assistente Convidada
de Anatomia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Serviço
de Ortopedia e Traumatologia Centro Hospitalar de S. João
Submetido em: 22 fevereiro 2013 Revisto em: 19 agosto 2013 Aceite em: 19 agosto 2013
Publicação eletrónica em: 23 setembro 2013
Tipo de Estudo: Terapêutico
Nível de Evidência: IV
Declaração de conflito de interesses:
Nada
a declarar.
Correspondência:
Sara
Machado
Serviço
de Ortopedia e Traumatologia Centro Hospitalar de S. João Alameda Prof. Hernâni
Monteiro 4200 319 Porto
RESUMO
A doença de Dupuytren, descrita pela primeira vez há
centenas de anos, continua a ser protagonista numa evolução constante de conhecimentos.
Trata-se de uma patologia fibroproliferativa da mão, potencialmente progressiva
e incapacitante, de clara predisposição genética. Novos conhecimentos surgiram
no âmbito da anatomia e patofisiologia, com implicações na abordagem
terapêutica. Várias estratégias de tratamento foram propostas nos últimos anos
assim como vários foram os estudos que as tentaram avaliar. Foi realizada uma
pesquisa no pubmed/medline com as palavras “Dupuytren disease”, selecionando
sobretudo artigos publicados nos últimos 5 anos, incluindo artigos originais e
de revisão, tendo por objetivo reunir os conhecimentos mais recentes nas várias
dimensões da doença, nomeadamente procurando clarificar o papel dos vários
métodos de tratamento disponíveis na atualidade.
INTRODUÇÃO
A doença de Dupuytren (DD) foi descrita há mais de 400
anos pelo médico suiço Felix Plater[1], embora mais reconhecida a
partir da descrição do anatomista e cirurgião francês Baron Guillaume Dupuytre
em 1831, o primeiro a descrever o tratamento cirúrgico desta patologia[2].
Trata-se de um tumor desmóide/ fibromatose palmar resultante da
fibroproliferação dos tecidos, podendo conduzir à contração em flexão
incapacitante da mão, impossibilitando o doente de realizar as mais simples
atividades da vida diária.
EPIDEMIOLOGIA
A prevalência da DD aumenta com a idade, sendo mais
frequente a partir dos 40 anos, com o ratio homem/mulher podendo atingir o
valor de 5,9:1. A prevalência da DD é extremamente variável de acordo com a
localização geográfica, sendo superior no Norte da Europa (ficou conhecida como
a “doença dos Vikings”) e incomum na Ásia e África. Os valores variam
de 0,2% até 56%, para o que pode contribuir fatores genéticos, ambientais ou
uma combinação de ambos[3,4,5].
ANATOMOPATOLOGIA
É fundamental compreender a complexa anatomia da fáscia
palmar (Figura 1) para a correta avaliação e tratamento da doença. A fáscia
palmar divide-se em três partes – digital, palmodigital e palmar, dividindo-se
esta última nas aponevroses radial, cubital e central (a mais diretamente
envolvida na doença). Longitudinalmente, a aponevrose central organiza-se
distalmente nas bandas pré-tendinosas, que se bifurcam inserindo-se na derme,
nas estruturas flexoras e extensoras dos dedos, e em torno da articulação
metacarpo-falângica profundas aos feixes neuro-vasculares originando as bandas
espirais que emergem posicionando-se laterais aos feixes. Da aponevrose
central, além das fibras longitudinais, partem também fibras verticais – fibras
de Grapow e septos de Legueu e Juvara - e transversais – ligamento transverso
superficial, proximalmente e ligamentos natatórios, distalmente[6,7].
Na DD as bandas e ligamentos sãos, por fibroproliferação,
transformam-se em tecido doente, designado por nódulos e cordas.
No quadro I são descritas as principais deformidades
associadas a cada corda.
Quadro I. Deformidades associadas à doença de
Dupuytren.
Corda
|
Deformidade
|
Cordas
pré-tendinosas
|
Flexão MCF
|
Cordas espirais
|
Flexão MCF+IFP
|
Cordas natatórias
|
Limitação da
abdução dos dedos
|
Cordas centrais
|
Flexão IFP
|
Cordas laterais
|
Flexão IFP+IFD
|
MCF- articulação
metacarpo-falângica;
IFP- articulação
interfalângica proximal;
IFD- articulação
interfalângica distal
Os conhecimentos que se foram adquirindo até à data sobre
a anatomia da fáscia palmar têm implicações não só na compreensão da doença mas
também no aperfeiçoamento da técnica cirúrgica. O desenvolvimento das cordas,
nomeadamente das cordas espirais, pode deslocar os feixe neuro-vasculares para
a linha média do dedo, que assim pode ser lesado durante a incisão na pele na
ausência do conhecimento dessa possível posição anómala do feixe por parte do
cirurgião.
Figura 1. Anatomia da fáscia
palmar.
ETIOLOGIA
A DD resulta de uma simbiose entre fatores genéticos e
ambientais.
Genética: Há uma clara predisposição genética para o
desenvolvimento da DD. Acredita-se que se trate de Transmissão Autossómica
Dominante com Penetrância Variável.
Inicialmente foi proposta uma associação ao cromossoma
16q, onde se localizarão genes envolvidos na produção do colagénio. Pensa-se
que na doença haja uma superativação dos genes responsáveis pela produção de
colagénio e inibição dos genes responsáveis pela sua destruição[8].
Posteriormente, foram reportadas alterações no número de cópias dos genes nas
regiões cromossómicas 10q22, 16p12.1 e 17p12, associações com o alelo
HLA-DRB1*15 e uma mutação no rRNA 16s. Foram ainda demonstradas associações
genéticas com os cromossomas 6 e11[5,9,10].
Embora ainda haja um longo caminho a percorrer no campo
da genética na DD, todas as associações estabelecidas contribuirão para uma via
fisiopatológica comum que em última análise resulta na fibroproliferação
tecidular caraterística da doença.
Ambiente Tabaco e Álcool
Estudos demonstraram que o tabaco e o alcoolismo elevam o
risco de desenvolver a doença, com um odds ratios de 2,8:1 e 1,8:1
respetivamente[5,11,12].
Diabetes mellitus
Associações estatisticamente significativas foram também
efetuadas entre a DD e a Diabetes mellitus(DM), tipo I mais que a tipo II. Num
estudo de Noble, Heathcote and Cohen a incidência da doença nos diabéticos foi
de 43%. A idade de início e a duração da DM é significativa no desenvolvimento
da DD. Após 20 anos, 67% dos diabéticos tipo I desenvolveram DD[5,11,12].
Outras associações
Menos consistente é a associação da DD com a
epilepsia/medicação antiepilética, HIV e trabalho manual, com exceção no trabalho
manual implicando vibração da mão. Dois estudos apresentaram evidência de uma
relação dose-resposta para a associação com a exposição à vibração[5,11,12].
PATOFISIOLOGIA
Na DD o tecido da fáscia palmar apresenta um aumento na
deposição de colagénio tipo III relativamente ao colagénio tipo I (principal
componente da fáscia palmar saudável).
Foram descritos 3 estadios para a doença - proliferativo,
involucional e residual - que possui dois elementos fibróticos estruturalmente
distintos: o nódulo, altamente vascularizado e rico em miofibroblastos que
expressam a α- actina típica do músculo liso , e as cordas, mais avasculares,
acelulares, ricas em colagénio III e pobres em miofibroblastos. A expressão da
α-actina pode explicar a contratilidade observada na DD. Os nódulos podem
transformar-se em cordas com a progressão da doença. Inicialmente pensava-se
que as cordas seriam totalmente acelulares, estáticas e o produto final dos
nódulos, contudo estudos mais recentes demonstraram que os nódulos podem estar
presente no seio das cordas em graus variáveis, que possuem assim ainda alguma
celularidade.
O miofibroblasto desempenha um papel central na DD, e
partilha caraterísticas com as células do músculo liso e os fibroblastos,
conduzindo à contração e deposição de colagénio III típicas da doença. Vários
mediadores inflamatórios estão aumentados nos tecidos da DD como o fator
transformador de crescimento (TGF- ß), fator de crescimento dos fibroblastos
(FGF), fator de crescimento derivado das plaquetas (PDGF), fator de crescimento
epidérmico (EGF) e interleucina-1 (IL-1), sinalizando a diferenciação e
proliferação dos miofibroblastos. Estes mediadores inflamatórios são libertados
em resposta radicais livres de oxigénio que por sua vez se originam devido a
fenómenos isquémicos secundários a uma angiopatia microvascular. Esta lesão
microvascular terá origem multifatorial, com contribuição de fatores genéticos,
idade, sexo, tabaco, álcool diabetes mellitus ou trauma[5,13 14,15].
Portanto segundo os estudos mais recentes, todos os fatores etiológicos citados
anteriormente culminam numa via comum aqui descrita e resumida na Figura 2.
Figura
2. Fisiopatologia
da doença de Dupuytren.
APRESENTAÇÃO CLÍNICA
Inicialmente há um espessamento e retração da pele, que
adquire um aspeto enrugado, com reentrâncias, o que não deve ser confundido com
calosidades. Posteriormente os doentes podem notar o surgimento de nódulos.
Estes são habitualmente distais à prega de flexão distal da palma e indolores,
embora alguns doentes refiram sensibilidade ao toque, sensação de prurido ou
queimor. Com o desenrolar da doença os nódulos podem progredir para cordas
estáticas, contraídas e fixas à pele subjacente podendo lembrar o aspeto de
tendões flexores, e nos estádios
mais avançados da doença conduzir à flexão, por vezes
incapacitante, dos dedos[16]. O doente pode ser incapaz de colocar a mão reta
sobre uma mesa – “table top test”/teste de Hueston (Figura 3) É importante não
confundir os estádios mais precoces da DD com outras patologias, por exemplo
hiperqueratose, tenosinovite estenosante, entre outras[17].
Por ordem decrescente de frequência, o dedo mais atingido
é: anelar, 5º dedo, 3º dedo, 2º dedo, e por fim1ºdedo.A flexão da articulação
MCF normalmente precede a flexão da articulação IFP. Geralmente a doença
inicia-se na palma e propaga-se para os dedos, mas é possível estar apenas na
palma ou apenas nos dedos ou em locais ectópicos como nódulos de Garrod IFP
(dorsal) ou no punho[(17].Na maioria a doença progride lentamente, durante anos.
Cerca de 50% dos doentes com nódulos desenvolvem cordas, e destes apenas alguns
necessitam de tratamento cirúrgico. A bilateralidade está presente em
aproximadamente 59% dos homens e 43% das mulheres com a doença. Em 5% dos indivíduos pode associar-se à
fibromatose plantar, doença de Ledderhose, e em 3% à fibromatose peniana,
doença de Peyroni[16,17].
Figura 3. Evolução
clínica da doença de Dupuytren.
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