O Benfica tinha acabado de ser campeão e, em Guimarães, um polícia agride
um homem à frente do filho, que fica a gritar apavorado. Em artigo de opinião,
Pedro Santos Guerreiro escreve sobre as imagens que marcaram o domingo que
deveria ter sido de festa.
Estávamos em Guimarães, era dia de
Benfica campeão e um polícia enfia um enxerto de pancada num homem à frente do
filho, que fica a gritar apavorado, nem dez anos terá, o pai no chão a ser
algemado pelo mesmo agente que, pelo caminho, ainda deu um banano num homem
mais velho ante um outro filho, este adolescente, tinham ido todos juntos à
bola, levaram com um agente desembestado, munido de bastão e escolta, e agora a
PSP vai analisar. Não precisa de analisar, precisa de agir.
O que deveria ter sido uma noite para lembrar foi uma noite para esquecer.
Adeptos do Benfica vandalizaram e agrediram em Guimarães. Claques ou gangues ou
bêbados ou lá o que foi destruíram garrafas, destruíram o Marquês e destruíram
a festa do Benfica, precipitando uma carga policial que levou a eito no centro
de Lisboa. Mas o caso do pai açoitado em Guimarães merece análise própria, não
por ser mais relevante mas por ser desumano, não por ser uma agressão de massas
que gera uma reação grupal mas por ser uma (supõe-se) provocação individual que
recebe um, chamemos-lhe assim, excesso de força. Chamemos-lhe assim para não
lhe chamar outra coisa: que uma besta quadrada com poder de lei para usar a
força é um perigo no meio da rua onde passamos.
Vamos supor que a besta quadrada até foi o agredido. O que vemos são só trinta
segundos de imagens, não sabemos se aconteceu algo antes nem o que é dito
durante. Sabemos que é inverosímil haver ameaça à ordem pública ou ao agente,
dada a pacatez dos circunstantes, que aparentemente se estão a fazer difíceis
em destroçar. Sabemos que a agressão máxima terá sido verbal. E sabemos que
sabemos que aqueles trinta segundos vão mudar a vida daqueles miúdos para
sempre. Mas sim, vamos imaginar que o homem que está prestes a levar uma tareia
disse a pior coisa possível, que o homem mais velho pior ainda e até que os
miúdos são uns selvagens. Mesmo que tudo isto tenha acontecido – e não é nada
disso que se vê -, a reação do agente policial é injustificável, pela
desproporção, pela gratuitidade da violência e pela cegueira de sovar um pai à
frente do filho. Foi tão escabroso que há um polícia que acode imediatamente ao
miúdo, afastando-o e tapando-lhe a visão. E foi tão evidente que o operador de
câmara da CMTV, inteligente, cedo percebe que a “notícia” não é o homem que
está a apanhar, é o miúdo que está a ver – para quem ele desvia a câmara.
É evidente que, neste caso, o agente tem de ser expulso da força policial. “A
PSP tem por missão assegurar a legalidade democrática, garantir a segurança
interna e os direitos dos cidadãos, nos termos da Constituição e da lei” – e
nesta missão não há um asterisco que diga que “em certos casos é admissível que
um agente perca a cabeça e esmurre famílias que à sua ordem não destrocem
imediatamente dos muretes onde se demoram”. Até porque o agente é graduado, é
comandante, é experiente – e dá medo pensar nessa experiência e em quem passou
por ela...
O que se passou no Marquês, repito, é diferente. O corpo de intervenção serve
para “ações de manutenção e reposição de ordem pública” e “combate a situações
de violência concertada” e é indiscutível que uma das coisas aconteceu: a ação
do corpo de intervenção foi necessária, em causa está o grau dessa ação, houve
civis feridos e polícias feridos.
Em Guimarães, aquele miúdo viu o que miúdo nenhum pode ver. Só que desta vez
nós também vimos. E se a CMTV não estivesse ali? A pergunta na verdade não é
essa. A pergunta é: e quantas vezes a TV não está ali? E nesses vezes, a PSP
faz o quê? Os agentes policiais que violam os princípios da lei e envergonham a
sua própria força, o que lhes acontece?
Não podemos tomar a floresta pela árvore mas é de árvores que a floresta se faz
e a nossa floresta – de polícias, de pais e de miúdos – torna-se sã ou doente
não só por causa destes casos mas pela forma como a tolerância ser torna ou não
complacência e a impunidade se subverte ou não em aceitação. Aceitamos isto?
Não. Claro que não. E isto, é um caso isolado ou é hábito na PSP? Nem um
polícia em cada esquina nem uma câmara atrás de cada polícia nem um país onde
ir à bola é um risco e nem sequer por causa dos vândalos mas por causa de quem
nos deve proteger deles.
Pedro Santos Guerreiro
Pedro Santos Guerreiro
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