Carlos do Carmo é um dos mais reconhecidos, premiados e aclamados fadistas de sempre. A “Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX” descreve-o como uma “figura marcante no estabelecimento de mudanças na tradição fadista", sendo uma das “suas maiores referências, com reconhecimento nacional e internacional”.

Nascido em Lisboa, em 21 de dezembro de 1939, Carlos do Carmo despediu-se dos palcos em 2019.

Filho da fadista Lucília do Carmo (1919-1998), “uma das vozes mais marcantes” do fado no século XX, segundo a mesma fonte, Carlos do Carmo cresceu num ambiente fadista. Desde 1947 que sua mãe era proprietária da casa de fados Adega da Lucília, no Bairro Alto, em Lisboa, atual Arcadas do Faia, que passou a ser gerida por Carlos do Carmo em 1962.

Este não era o plano traçado para si pelos pais que, em 1956, o enviaram para a Suíça para estudar línguas e gestão hoteleira.

A vocação musical despertou, porém, em 1963, quando gravou um fado da sua mãe, “Loucura”, num disco do Quarteto de Mário Simões.

Carlos do Carmo revelou, ao longo da carreira, “uma voz límpida e uma dicção clara cuidadosamente ajustada ao sentido dos poemas”, segundo a Enciclopédia dirigida pela etnomusicóloga Salwa Castelo-Branco, onde se lê ainda que as alterações que fez no fado foram influenciadas pelos seus gostos musicais, que incluem referências da bossa nova, de Frank Sinatra e Jacques Brel, de quem gravou “La Valse a Mille Temps”. Depois do 25 de Abril, tornou-se “o representante máximo do fado novo”, 

O artigo que lhe é dedicado na Enciclopédia recorda que em 1976 a RTP o convidou a interpretar todas as canções concorrentes ao Festival da Canção, “Uma Canção Para a Europa”, o que “confirmou a sua posição de destaque no panorama musical português”.

Carlos do Carmo representou Portugal no 21.º Festival da Eurovisão, realizado em Haia, com “Uma Flor de Verde Pinho”, tendo-se classificado em 18.º lugar.

No ano seguinte saiu o seu álbum “Um Homem na Cidade”, totalmente constituído por poemas de José Carlos Ary dos Santos (1937-1984), musicados por José Luís Tinoco, Paulo de Carvalho, Martinho d’Assunção, António Victorino d’Almeida e Fernando Tordo.

Este álbum “apontou diferentes tendências que vieram a verificar-se como agentes da mudança da tradição musical do fado”, assinala a Enciclopédia, que realça “algumas inovações musicais notáveis”, mantendo a estrutura harmónica tonal. Esta obra refere “a produção de elevada qualidade técnica” de Carlos do Carmo, patente nos seus trabalhos.

Carlos do Carmo gravou regularmente desde 1980, quando saiu um álbum homónimo. A sua discografia inclui temas como "Por Morrer uma Andorinha", "Bairro Alto", "Canoas do Tejo", "Os Putos", "Lisboa Menina e Moça", "Estrela da Tarde", "Pontas Soltas", "O Homem das Castanhas" e "Um Homem na Cidade", entre outras canções.

Soma mais de duas dezenas de álbuns, entre antologias, registos ao vivo e de estúdio. O último disco, "E Ainda…", foi editado em novembro de 2020. Além de Vasco Graça Moura, Carlos do Carmo gravou poemas de Herberto Hélder, José Saramago, Sophia de Mello Breyner, Hélia Correia, Júlio Pomar e Jorge Palma. Sophia e Herberto são dois autores estreantes na voz de Carlos do Carmo, que nunca os tinha cantado anteriormente.

Um embaixador do fado

Foi um dos principais e mais determinantes embaixadores da Candidatura do Fado a Património Imaterial da Humanidade, e desempenhou um "papel fundamental na divulgação dos maiores poetas portugueses", como destacou o júri do Prémio Vasco Graça Moura de Cidadania Cultural.

Cantou no Olympia e no Auditório Nacional, em Paris, no Le Carré, em Amesterdão, no Place des Arts, em Montreal, nas óperas de Frankfurt e de Wiesbaden, na Alemanha, no 'Canecão', no Rio de Janeiro, no Memorial da América Latina, em S. Paulo, no Brasil, e no Royal Albert Hall, em Londres, entre muitas outras salas.

Despediu-se dos palcos a 9 de novembro de 2019, com um último concerto no Coliseu de Lisboa. Nele recebeu a chave da cidade de Lisboa, uma honra dada habitualmente aos chefes de Estado que visitam Portugal.

Sublinhando que a saída “é só de cena, dos palcos”, Carlos do Carmo, em entrevista à agência Lusa, afirmou que a decisão “não foi difícil” de tomar, “foi pensada” e "este era o momento”.

“Tomei-a no ano passado. São 57 anos a cantar, quase no mundo inteiro. São poucos os países onde não cantei. Foi muita viagem, [foram] muitos hotéis, muitos palcos, é muita coisa e é uma altura boa de acalmar. E como gosto muito de ouvir cantar bem, ainda me vou desforrar a ouvir quem canta bem”, disse o fadista à Lusa.

“Quem fizer uma carreira como eu fiz -- e há gente da nova geração, felizmente, que a está a fazer --, com ar paternalista, recomendo: 'cuidado com a tua saúde, vai, faz, tens todo o direito, quanto há vento é que se molha a vela, mas muito cuidado com a tua saúde, estas coisas da saúde não avisam e quando tu estiveres mal é que vais ver que o esforço é inglório'”, disse.

Com um percurso de mais de 50 anos, Carlos do Carmo foi reconhecido, em 2014, com um Grammy Latino de carreira, o que lhe valeu igualmente o Prémio Personalidade do Ano – Martha de la Cal, da Associação Imprensa Estrangeira em Portugal.

Em 2015, recebeu a "Grande Médaille de Vermeil" da cidade de Paris, "a mais alta distinção" da capital francesa, e, um ano depois, foi-lhe atribuído o título de Grande-Oficial da Ordem do Mérito, da Presidência da República.

Em 2013, quando celebrou 50 anos de carreira, editou o álbum “Fado é Amor”, que gravou em duo com vários fadistas, entre os quais Ricardo Ribeiro, Camané, Mariza, Raquel Tavares e Marco Rodrigues.

créditos: PEDRO NUNES/LUSA