domingo, 26 de novembro de 2023

ATUM

 

O manual do atum: os cortes


Codina, stallo, ventresca e tarantello: cortes italianos do atum, na imagem genial do Saps - Centro Italiano de Pesquisas para o Estudo de Materiais e dos Instrumentos de Cozinha (www.sapsitalia.com)

O bom atum pode ser maior e mais pesado do que uma bela vitela. Os chefs mediterrâneos sabem disso muito bem. Os sushimen, mais ainda. E todos eles selecionam direitinho o corte do peixe que vai servir à sua receita, seja ela crua, grelhada, curada ou em conservas. Por isso, desenhar o atum com aquele mesmo pontilhado dos cortes de carnes bovinas faz sentido em muitas cozinhas do mundo, dando a peças antes desconhecidos no Brasil resultados tão diferentes quanto aqueles que separam costelas e picanhas nas churrascarias.

 

Aos poucos, alguns desses resultados começam a chegar por aqui – e já estava mesmo na hora, pois, em Portugal, o culto em torno das carnes do peixe, que variam do rosado leve ao vermelho profundo, chega às mesas em estilos, raças e fórmulas impensáveis – ou alguém já pensou um curtir uma boa carne seca de atum? De Lisboa a Barcelona, isso é bem comum. Nesse eixo, é possível encontrar a moxama, que é exatamente a carne salgada e seca em mantas, que são cortadas em fatias finas e degustadas com um belo vinho de jerez.

 

Albacora em salada, no Le Bernardin (FOTO Shimmer and Tammar)

 

OS GÊNEROS E AS ESPÉCIES

(Fonte: A Enciclopédia dos Sabores)

 

Aku (Havaí)

Denominação nativa dos ilhéus que os americanos do continente vêm adotando em seus cardápios, em estilo semelhante ao do ahi e do mahi-mahi. No Japão, é conhecido como katsuo.

 

Ahi

Originalmente, a’ahi. Variedade de atum do Pacífico, que os japoneses conhecem como ‘kihada’ (yellowfin, no mercado internacional) e que é tida como uma espécie relacionada à albacora. É pesca de verão, quando a carne do peixe estará em sua plenitude para a grelha ou para a arte do sushiman, como repara Alan Davidson em seu monumental Oxford Companion to Food.

 

Ahi palala (Havaí)

Uma das denominações ancestrais que os havaianos conferem às albacoras (Thunnus alalunga e albacares).

 

Albacora

Thunnus albacares. Variedade menor de atum, explorada pela indústria, mas apreciado na grelha.

 

Asinha (Portugal)

Thunnus alalunga. Uma das denominações que os pescadores portugueses conferem à albacora.

 

Yellowfin ainda fresco, sob os cuidados Joe Best, do Espaço Açores, em Lisboa, de quem eu tunguei essa foto, em seu perfil no Facebook.

Bacoreta (Espanha)

Denominação genérica que as espécies menores de atum, entre eles o ‘bonito’ e a ‘albacora’, ganham no mercado espanhol. Formalmente, é a denominação da espécie Euthynnus alletteratus.

 

Bandolim (Brasil)

Uma das denominações que a albacora ganha nas águas brasileiras.

 

Bandolim (Brasil)

Denominação que os pescador do Sudeste e do Nordeste conferem a duas variedades de atum: a albacora gorda (Thunnus obesus) e a albacora-branca (Thunnus albacares).

Bonito

Bin chao (Japão)

De 鬢長, uma das denominações que os japoneses conferem às albacoras, uma das variedades de atum mais prezadas pela indústira pesqueira. Também denominado binnaga (びんなが).

 

Bonito

Uma das variedades menores de atum, muito usado pela indústria dos enlatados. Mas isso não é demérito. Pelo contrário, algumas das melhores conservas desse tipo de peixe está nas migas de bonito, que pode se encontrado, pronto para uso, na Casa Flora.

 

Raridade no Sawasdee, atum bandolim levemente selado (Foto: Adriana Lorete)

Cachorra (Brasil)

Uma das denominações que a albacora gorda (Thunnus obesus) recebe dos pescadores brasileiros. Em Portugal, é conhecida como ‘patudo’ e é uma das iguarias servidas no Cantinho do Avillez, em Lisboa.

 

Carorocoatá

Uma das denominações da albacora-branca (Thunnus alalunga). Não procure. A expressão foi ignorada pelo sr. Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira.

 

Honmaguro (Japão)

Variedade de atum (鮪 – ‘maguro’) denominado ‘negro’, no mercado internacional. É objeto de pesca industrial e de culto artesanal, especialmente no norte do Japão, onde ainda é pescado na linha, apesar de atingir até 400 libras.

 

Hosokatsuo (Japão)

Variedade de atum de carne esbranquiçada e mais oleosa – mas não menos saborosa – do que as demais espécies. Por ser mais esguio do que os demais, é reconhecido pela denominação internacional slender tuna.

 

Katsuo (Japão)

Katsuwonus peleamis, na denominação científica do atum conhecido no mercado internacional como skipjack tuna. É uma variedade menor, mas muito apreciada no balcão do sushi, na grelha do teriyaki e, quando seco e raspado, na composição de caldos como o dashi e o katsuobushi.

 

Toro do Azumi, o foie gras dos sushis (FOTO Pedro Mello e Souza)

Kihada (Japão)

De 木肌. Variedade de atum prezada pelos filés e postas que seu lombo de carne vemelha proporciona, ao longo de seus quase dois metros de envergadura – e, mais ainda pelos cortes de sua barriga gordurosa, ideal para alguns dos mais finos sushis – especialmente mo verão, como observa Alan Davidson. Suas nadadeiras traseiras, inclusive os barbilhões que lhe saem do dorso, são tingidas de belo tom amarelo, o que justifica a denominação “yellowfin tuna”, que a espécie ganha da comunidade internacional. A denominação vem sendo usada pelos comerciantes brasileiros, em detrimento de denominações originais, como ‘albacora-de-laje’ e ‘galha-amarela’, raramente usada nos negócios ou mesmo nos cardápios.

 

Kimeji (Japão) Denominação que os cardápios japoneses conferem à carne do jovem e ainda pequeno atum do tipo ‘ahi’ ou ‘yellowfin’. Quando adulto, passa a ser rotulado como ‘kihada’ ou ‘kiwada’ – e a ser prezado por sua carne vermelha e gordurosa.

 

Maguro (Japão) Japonês para ‘atum’, por interpretação oxítona do ideograma 鮪, o mesmo que o mandarim e o cantonês usam para identificar o peixe. Das madrugadas nos mercados às noitadas em bares e sushi-bares, o atum é arrematado em leilões e as carcaças, algumas de até 400 quilos de peso, proporcionam cortes para caldos e sopas, como convém ao café da manhã, grelhados (‘teriakis’ e ‘shioyakis’) ou cozimentos leves (‘nimono’) durante o dia e, nos grandes momentos, os cortes para sushis e sashimis, especialmente quando extraídos da barriga, como os prezadíssimos ‘toro’ e ‘chutoro’.

 

Patudo (Portugal, Açores)

Variedade menor de atum, dito albacora, reconhecida pelos olhos esbugalhados e o corpo curto, que raramento supera o metro de comprimento. A carne é branca, macia e untuosa, que faz belo papel na grelha.

 

Rabão

Deliciosa denominação que o atum ganha dos angolanos.

 

Rabil

Uma dos rótulos que a albacora (Thunnus albacares) ganha nas costas lusitanas, especialmente nos Açores e na Madeira.


Patudo, carne macia do atum dos Acores, no cardápio do cantinho do Avillez.

Skipjack

Variedade de atum de alto valor comercial, mais conhecido no mercado internacional como ‘bonito’. No Pacífico, é abundante desde as águas da Nova Zelândia até as costas furiosas do Canadá. Boa parte de sua produção é destinada à indústria de conservas, que pode ser a de enlatados ou da secagem, que, no Japão, proporciona a raspagem da carne seca para a produção de flocos, que comporão compostos para sopas ou temperos como o ‘sishimi togarashi’.

 

Soudagatsuozoku (Japão)

De 宗太鰹属, pequena variedade de atum, usada em ensopados, raramente cru.

 

Tonno di tonnara (Itália) Atum pescado no litoral e levado ainda fresco para corte e venda. ‘Tonnara’ é o sistema de redes que desvia a rota migratória dos atuns, cercando-os, o que permite que sejam arpoados e levados frescos aos portos próximos.

 

Tónos (Grécia)

Interpretação de τόνος, na grafia original que o atum ganha dos gregos desde os tempos em que a expressão arcaica grego “thunnos” (θύννος) influenciou o latim thunnus, adotado por Lineu, no século XVIII, para denominar o gênero que envolve espécies como o atum que conhecemos e outros, como o bonito e a albacora.

 

Yellowfin

Literalmente, “nadadeira amarela”, referência à cor das barbatanas desta espécie de atum (Thunnus albacares), o segundo maior em tamanho, também conhecido como ‘ahi’, pelos americanos, rabil pelos portugueses, atum branco, no mercado brasileiro. É prezado pela bela carne vermelha de seu lombo e pelos cortes de sua barriga gordurosa, ideal para alguns dos mais finos sushis – especialmente mo verão, como observa Alan Davidson. É festejada também em grelhas, na forma de yakitoris, e nas cartilhas ambientalistas, por ser uma opção ao ameaçado atum azul.

 

Criatividade em torno do atum na campanha publicitária da marca de conservas Tuna As It Is.

 

OS CORTES

 

Akami (Japão) Denominação que recebe a carne magra (あかみ) e avermelhada (‘aka’) de cortes traseiros de peixes como o atum ou mamíferos como o boi ou a baleia.

 

Bodano (Itália)

Um dos filés que se extrai da parte interna da barriga do atum. Seria um dos equivalentes ao chutoro, do item acima.

 

Chutoro (Japão)

De 中とろ. Uma das variedades de carne da barriga do atum de teor médio de gordura, intermediário entre o ‘toro’, mais gorduroso, e o ‘maguro’, menos gorduroso.

 

Codina (Italia)

Corte traseiro do atum, entre os lombos e a barriga e os pequenos segmentos da cauda. Por integrarem a parte motora do peixe e por darem o impulso às suas velocidades altíssimas dentro d’água, são músculos irrigados (vermelhos como a codina negra) e magros (codina branca), dando assim sabores distintos aos cortes mais comuns do peixe.

 

Textura: a chave para o paladar do atum, aqui, no tartare do Sushi Leblon (Foto: Pedro Mello e Souza)

Garrofeta (Espanha, Alicante)

Ovas salgadas e secas de bonito, denominadas assim pela semelhança com as vagens de alfarroba, comuns na região.

 

Mendreska

É a versão basca da ventresca, a barriga do atum, apreciada no marmitako e no sorropotún.

 

Moxama, mojama (Espanha, Portugal)

De “musama”, forma como os mouros se referiam ao atum seco e curado em sal, que se come fatiado, como petisco ou em sanduíche. Tradição local, pode ser encontrado em pacote, nas boas casas do ramo.

 

Muriá (Brasil)

Conserva de carne de atum no sal, em estilo semelhante ao da estopeta portuguesa.

 

Stallo (Italia)

Corte geral do lombo do peixe, maior e mais usado – é mais barato e integra preparos menos delicados, como os grelhados e os sushis comuns.


Moxama, a carne seca do atum, no Assinatura, em Lisboa (FOTO Pedro Mello e Souza)

Sunazuri

Parte dianteira da barriga do atum, localizada dentro da área já nobre do o-toro e de tom rosa claro, tal o nível de marmorização com a gordura característica do corte.

 

Tarantello

Parte posterior da barriga do atum, menos densa e mais aberta para sustentar os órgãos do peixão.

 

Tonyina de tronc

Filé de atum salgado. É dito “de tronc” por ser cortado em filés que, após a cura, assemelham-se a troncos de madeira.

 

Toro

Diz-se de toda a área cortada da barriga do atum, que fornece carne rosada, delicadíssima e que derrete na boca com a untuosidade de seu alto nível de gordura. Como em todos os casos de elementos nobres, é mais conhecida e reverenciada como ‘o-toro’, especialmente pelos sushimen mais sérios, que dedicam madrugadas a fio de suas vidas em busca dos melhores cortes nos mercados de peixe – ou no desembarque dos barcos, já que o cuidado com o transporte por terra raramente é confiado aos pescadores. Pela dimensão da peça, pode fornecer cortes específicos, entre eles o chutoro, que alcança preços no mercado ainda maiores do que o toro comum já atinge.

 

Ventresca

Mais uma vez, a barriga do atum, mas aqui sob o ponto de vista dos sicilianos e dos andaluzes. Pode significar tanto a carne, que é magnífica mesmo quando enlatada (há uma variedade excelente, vendida no Venga), ou o salsichão preparado com os miúdos do peixe.

 

Ventresca da Marcol: conserva fina (FOTO Pedro Mello e Souza)


CREDITS - Pedro Mello e Souza

Sem comentários:

Enviar um comentário