terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O "MAINSTREAM" DA BALADA DE UM BATRÁQUIO - O FILME PARVO





O "filme parvo" que ganhou um Urso de Ouro
Leonor Teles não estava à espera de vencer um Urso de Ouro e, por isso, teve que improvisar um discurso intercalando português e inglês. O filme "Balada de um Batráquio" venceu o prémio de melhor curta-metragem no Festival de Cinema de Berlim e Leonor Teles, de 23 anos, tornou-se na realizadora mais jovem de sempre a vencer um urso de ouro.


O filme fala do hábito que existe em Portugal de colocar sapos de louça à porta dos estabelecimentos comerciais para manter os ciganos afastados. E começa com uma história tradicional cigana sobre o tempo “antes das pessoas existirem e governarem o mundo”.
Nesse tempo, “todas as coisas vivas podiam mover-se livremente”. Mas um dia houve uma grande festa, onde todos estavam felizes, até que chegou um sapo e todos começaram a fazer troça dele e a dizer-lhe como era horrendo. O animal inchou até explodir e desde esse dia os animais perderem a fala, as flores deixaram de se mover e os peixes passaram a só poder viver na água.
Balada de um Batráquio parte, por outro lado, de uma “frustração” que Leonor sente “em relação ao facto de nos filmes só se abordarem as questões e não se fazer nada em relação a elas”. Desta vez ela quis agir. “O filme baseia-se na ideia, talvez ingénua, de que a acção pode levar a uma mudança de atitude”, diz no texto de apresentação. “Queria fazer um filme enérgico, irónico e irreverente”.
E isso significou ir, com a sua equipa, para a rua, entrar nas lojas e partir os sapos de louça, atirando-os com toda a força para o chão. “Não queria só ilustrar o facto, queria que se fizesse alguma coisa contra isso. Dizer que isto pode ser uma resposta”. A nota que escreve sobre o filme sublinha que quis “surpreender os espectadores com o que eles sabem e o que pensam que sabem”. E conclui que “os sapos são sempre muito difíceis de engolir”.
Porque, em Portugal, “há xenofobia, claro que sim”. “Os ciganos são os últimos na cadeia alimentar. E vai continuar a ser assim, não vai mudar. A verdade é essa”. Mas as suas críticas vão para os dois lados: a comunidade cigana e o resto da sociedade. “Continua a haver muita discriminação. Não há esforço de ambas as partes. Ou melhor, há mas é residual”. E é preciso um esforço grande, defende.
“Os ciganos estão no espaço deles e gostam de estar. Mas isso tem que começar a mudar. Não se pode continuar a usar a desculpa de é cultural e que isso justifica tudo”. Para Leonor Teles “há coisas que não têm justificação, e de ambos os lados”. Coisas como os sapos nas montras “do lado da sociedade”, e do lado dos ciganos os casamentos de raparigas menores de idade, que são impedidas de estudar. “E depois, nos tribunais, os juízes não podem continuar a dizer que é uma questão de cultura”.

E ela, Leonor Teles, de repente catapultada para as primeiras páginas dos jornais por um filme que ela própria descreve como “parvo e tosco”, quer ter um papel numa eventual aproximação entre os ciganos a o resto da sociedade? “Eu não!”, responde, rápida. “Fiz o filme, o que há a fazer é as pessoas irem vê-lo e tirarem dele o que bem entenderem. Não me cabe a mim ter o papel de juiz.”

  (inPúblico)

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