Leonor Teles não
estava à espera de vencer um Urso de Ouro e, por isso, teve que improvisar um
discurso intercalando português e inglês. O filme "Balada de um
Batráquio" venceu o prémio de melhor curta-metragem no Festival de Cinema
de Berlim e Leonor Teles, de 23 anos, tornou-se na realizadora mais jovem de sempre
a vencer um urso de ouro.
O
filme fala do hábito que existe em Portugal de colocar sapos de louça à porta
dos estabelecimentos comerciais para manter os ciganos afastados. E começa com
uma história tradicional cigana sobre o tempo “antes das pessoas existirem e
governarem o mundo”.
Nesse
tempo, “todas as coisas vivas podiam mover-se livremente”. Mas um dia houve uma
grande festa, onde todos estavam felizes, até que chegou um sapo e todos
começaram a fazer troça dele e a dizer-lhe como era horrendo. O animal inchou
até explodir e desde esse dia os animais perderem a fala, as flores deixaram de
se mover e os peixes passaram a só poder viver na água.
Balada
de um Batráquio parte, por outro lado, de
uma “frustração” que Leonor sente “em relação ao facto de nos filmes só se
abordarem as questões e não se fazer nada em relação a elas”. Desta vez ela
quis agir. “O filme baseia-se na ideia, talvez ingénua, de que a acção pode levar
a uma mudança de atitude”, diz no texto de apresentação. “Queria fazer um filme
enérgico, irónico e irreverente”.
E
isso significou ir, com a sua equipa, para a rua, entrar nas lojas e partir os
sapos de louça, atirando-os com toda a força para o chão. “Não queria só
ilustrar o facto, queria que se fizesse alguma coisa contra isso. Dizer que
isto pode ser uma resposta”. A nota que escreve sobre o filme sublinha que quis
“surpreender os espectadores com o que eles sabem e o que pensam que sabem”. E
conclui que “os sapos são sempre muito difíceis de engolir”.
Porque,
em Portugal, “há xenofobia, claro que sim”. “Os ciganos são os últimos na
cadeia alimentar. E vai continuar a ser assim, não vai mudar. A verdade é
essa”. Mas as suas críticas vão para os dois lados: a comunidade cigana e o
resto da sociedade. “Continua a haver muita discriminação. Não há esforço de
ambas as partes. Ou melhor, há mas é residual”. E é preciso um esforço grande,
defende.
“Os
ciganos estão no espaço deles e gostam de estar. Mas isso tem que começar a
mudar. Não se pode continuar a usar a desculpa de é cultural e que isso
justifica tudo”. Para Leonor Teles “há coisas que não têm justificação, e de
ambos os lados”. Coisas como os sapos nas montras “do lado da sociedade”, e do lado dos ciganos os casamentos de
raparigas menores de idade, que são impedidas de estudar. “E depois, nos
tribunais, os juízes não podem continuar a dizer que é uma questão de cultura”.
E
ela, Leonor Teles, de repente catapultada para as primeiras páginas dos jornais
por um filme que ela própria descreve como “parvo e tosco”, quer ter um papel
numa eventual aproximação entre os ciganos a o resto da sociedade? “Eu não!”,
responde, rápida. “Fiz o filme, o que há a fazer é as pessoas irem vê-lo e
tirarem dele o que bem entenderem. Não me cabe a mim ter o papel de juiz.”
ALEXANDRA PRADO COELHO (inPúblico)
ALEXANDRA PRADO COELHO (inPúblico)
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